Numa sociedade agressiva e doente onde só se olha para seus próprios pares, o simples ato de dizer “bom dia” surpreende as pessoas
“Linda! No que se apresenta, o triste se ausenta, fez-se a alegria, Corra e olhe o céu, que o sol vem trazer bom dia!”
Corra e Olhe o Céu – Cartola
Uma noite dessas, minha filha chegou em casa me contando um episódio que aconteceu com ela durante o dia. Estou indignada, dizia ela, entrei no ônibus no centro de Barueri e ao passar pela catraca desejei um “bom dia” à cobradora. Ela não me respondeu e ficou me olhando com cara de surpresa. De repente, me pediu desculpas e retribui meu bom dia dizendo que as pessoas não costumavam fazer isso.Pode parecer apenas um fato isolado, mas, se prestarmos atenção ao entorno, veremos que episódios como esses são corriqueiros.
O psicólogo social Fernando Braga da Costa, enquanto fazia seu mestrado na USP e, por conta dele, ficou oito anos trabalhando como gari na própria universidade para se aprofundar na sua pesquisa. Ele conta que quando estava vestido com seu uniforme, tornava-se um invisível social. Colegas e professores com os quais ele convivia, passavam por ele sem perceber quem era. Afinal, ele não era um ser humano.
Trabalhadores que executam serviços como garis, cobradores, lixeiros, faxineiros, ou seja, os que fazem trabalho operacional, costumam ficar à margem da sociedade como se não existissem, como uma coisa que está ali.
Costa relata que em uma oportunidade, precisou entrar no prédio onde estudava vestido com seu uniforme de gari. Passou por vários corredores e andares sem que sequer um conhecido o reconhecesse ou lhe desse atenção. “Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência”, lamenta.
Fatos como esses demonstram que vivemos numa sociedade extremamente agressiva e doente onde só se olha para os seus próprios pares, da mesma classe social ou trabalhadora.
O ritmo acelerado e as superpopulações nas cidades, aliados às novas tecnologias de uso estritamente pessoal, levam as pessoas a se internalizarem e ficarem cada vez mais egoístas. É o transporte particular em detrimento do público, o fone de ouvido ao invés do som para todos, o celular e suas redes sociais que colocam o indivíduo em seu grupo próprio sem perceber o entorno.
Cruzar com alguém e desejar um bom dia virou coisa de cidade pequena onde todos se conhecem e reconhecem.
Se não atentarmos para o próximo, se abandonarmos a empatia, não construiremos nunca uma sociedade equilibrada e saudável. Ainda é tempo. Nunca é tarde para dizermos “bom dia!”.
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