O Barueri na Rede conversou com três barueriense que testemunharam o nascimento do novo município e como foram os seus primeiros anos
Luiz, Érico e José eram meninos quando Barueri se emancipou. Hoje, lúcidos senhores de mais de 80 anos de idade, eles se lembram com uma ponta de nostalgia dos tempos em que nadavam no Tietê e no Barueri Mirim, em que frequentavam as quermesses de Nossa Senhora da Escada e de São João e que andavam pelo mato atrás de frutas e passarinhos.
Os três cresceram e passaram a juventude numa época em que todos se conheciam. Érico e José, na Aldeia, tinham uma vida quase que rural, ligada à terra. Luiz, no centro, testemunhava o lento crescimento da cidade, a camaradagem entre amigos que viviam arquitetando pegadinhas e toda a movimentação política
Barueriense da gema
“Eu nasci e cresci na esquina da Dom Pedro com o Largo São João Batista, em cima do armazém de secos e molhados do meu pai”, lembra Luiz, 83 anos. A mercearia ficava onde hoje está o terminal. Era um dos endereços mais importantes da cidade, em frente à primeira igreja e a poucos metros da estação do trem. “A Dom Pedro era a principal rua da cidade.”
O pai de Luiz era Fioravante Barletta, um dos mais atuantes emancipadores de Barueri. “Considero que ele foi o mais imporante”, afirma o historiador Elias Silva. “Talvez tenha sido o único que esteve em todos os movimentos. Como vereador em Parnaíba, já lutava pela emancipação e apresentou projeto de realização do plebiscito”, lembra Elias. Fioravante também foi subprefeito de Barueri várias vezes, num total de 12 anos.
Luiz tinha 15 anos em 1948 e acompanhou a mobilização dos emancipadores. “Eles se reuniam no bar do Benedito Feres, ao lado de onde hoje está a Pernambucanas. O Diógenes sempre estava lá”, explica. Diógenes Ribeiro de Lima era o deputado que se engajou na luta dos baruerienses e trabalhou na Assembleia pela realização do plebiscito que decidiu pela separação de Santana de Parnaíba.
Como as crianças de sua época, Luís estudou no Raposo Tavares. “Era a única escola que tinha por aqui.” A vida era sossegada no vilarejo, todos se conheciam. O grande evento era a festa de São João, em junho. “Vinha gente de toda a região, era um acontecimento”, conta ele. Durante o ano, a diversão era nadar no Barueri Mirim, ali no centro mesmo.
Esse, aliás, foi um dos primeiros sinais de transformação do jovem município. No começo dos anos 1960, a instalação do Curtume Franco-Brasileiro no Jardim Belval começaria a mudar o perfil de Barueri, trazendo centenas de famílias de trabalhadores para morar na cidade.
Mas Luiz se lembra de um fato negativo ligado à fábrica. Foi o dia em que o rio amanheceu cheio de peixes mortos, resultado da descarga de resíduos industriais lançados pelo curtume, o que se repetiria quase que diariamente nos anos seguintes. Ele trabalhava então no posto de saúde de Barueri, já na esquina de Santa Úrsula com Henriqueta. “Naquele dia, o médico do posto, doutor José Ribeiro Barbosa, olhou bem para mim muito triste e me disse que o rio tinha morrido para sempre”, recorda-se ele. Nadar e pescar no Barueri Mirim, nunca mais.
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Vida na fazenda
A ligação de José da Silva Salles com o time do 1º de Maio da Aldeia é tão forte que todos no bairro o conhecem como “Zé do Maio”. É fácil explicar. Nascido em Sorocaba em 1934, ele chegou a Barueri em 1946 e foi morar na Fazenda Militar, área hoje desocupada ao lado da estação Antônio João. No ano seguinte, o clube foi fundado e José fez parte da primeira equipe infantil. Nunca mais se separou do rubro-negro, jogou até os 52 anos de idade e desde 1982 é presidente do clube.
A Fazenda Militar, na época, tinha importãncia estratégica para o Exército. Ali ficavam os cerca de cinco mil cavalos que atendiam aos quartéis da região. A Forças Armadas estavam começando a ser motorizadas, após o fim da Segunda Guerra Mundial.
A Aldeia era uma pequena vila com menos de mil habitantes. “O acesso a Barueri era complicado por causa do rio Tietê, então dependíamos em quase tudo da Vila Sulamericana, onde muita gente trabalhava, e de Carapicuíba”. Era na Sulamericana que ficava a escola onde ele estudou.
Zé do Maio se lembra dos tempos que antecederam o plebiscito da emancipação. “O pessoal da comissão vinha aqui, visitava as pessoas, pedia para votarem pelo sim”, recorda-se. “Me lembro do Wagih, dos Barlettas, do Nestor, do Tucunduva…” A família de José não participou da votação. “Minha mãe era viúva, as mulheres participavam menos na política na época”, afirma.
Hoje, aos 81 anos, ele ainda se lembra de que a emancipação era uma necessidade. “Tudo tinha que ser resolvido em Parnaíba, tinha pouco transporte, se perdia um dia inteiro”, explica. “Nós não éramos prioridade.”
Acordar às 3h30
Érico Rohm mora na mesma propriedade onde nasceu em 1934. É uma grande área, no cantinho da Aldeia, perto da ponte da Castelo Branco, onde a família, de origem alemã, se instalou há quase 100 anos. Ali, uma enorme palmeira imperial trazida do Rio de Janeiro é a testemunha da passagem do tempo. “Meu avô era botânico e veio da Alemanha em 1924 para tentar outra vida, porque a situação na Europa estava muito ruim naquela época”, explica Érico. E por essas coisas da vida, acabou comprando a chácara onde viveu até o fim da vida.
Ali, a atividade inicial era para subsistência. Stephan Rohm, o avô, plantava e criava animais para consumo próprio. Mas a pesquisa e cultivo de flores e plantas ornamentais era uma paixão que ele nunca deixou e que, com o tempo, transformou-se numa das maiores empresas do ramo no Brasil. Hoje, com a crise do setor, Érico ainda mantém as estufas e milhares de plantas, mas não vê futuro para o antigo negócio familiar.
Daquele ponto, Érico observou as mudanças que a cidade passou e lembra de como as coisas eram na época da emancipação. “Para irmos para o centro, tínhamos que tomar uma balsa, porque o Tietê dava a volta na Aldeia e ficava no caminho”, explica. “Como não tinha ponte, ou era balsa ou era pegar carona nos barcos dos pescadores.”
Ele tem muitas histórias do rio para contar, mas uma aconteceu antes de ter nascido. Em janeiro de 1929, sua mãe estava para ter um bebê, o irmão mais velho de Érico. Mas houve uma enchente que alagou da Aldeia ao centro e deixou a cidade sob as águas durante dias. Não havia como levar a grávida para a parteira nem a parteira até a grávida.
Até que chegou o dia. “Não teve jeito, meu avô pegou um livro de medicina que ele tinha e foi lendo e fazendo o parto da nora, como quem pega um livro de receitas de bolo e vai seguindo”, conta ele,
Depois que terminou o primário no Raposo Tavares, Érico foi estudar na escola Porto Seguro, no centro de São Paulo. Acordava as 3h30 para poder chegar às oito horas na escola. “Só tinha uma maria-fumaça que servia para o meu horário. Eu e o meu irmão saíamos de casa ainda escuro, com uma lanterna na mão, para pegar o trem ali na Fazenda Militar”, explica.
Érico lembra do dia do plebiscito. “Eu tinha 14 anos, fui junto com o meu pai lá para o Raposo, estava uma festa, todo mundo estava lá.” Na época, o eleitor pegava a cédula na entrada, como se fosse o santinho de um candidato, e na urna, colocava o voto que havia escolhido.
“Estava cheio de cédulas do “sim” por toda parte. Meu pai brincava, perguntava se não tinham feito cédulas do “não”. Mas ele garante que não foi do pai o único voto contrário do plebiscito. “Era só brincadeira, todo mundo estava feliz, sabiam que o “sim” ia ganhar”, garante. “Ele era a favor da emancipação, todos eram, não dava mais para ficar dependendo de Parnaíba, tendo de ir para lá toda vez que se precisava de alguma coisa.”