Quem vê o ator César Mello nos palcos e telas não reconhece o menino introvertido e adolescente religioso que ele foi. Mas se lembra do professor que insistia para seus alunos não desistirem de seus sonhos, como ele fez
Quando dava aulas de português e literatura no Alayde e no Lênio, alí no Jardim Silveira, o professor César estimulava seus alunos a não desistir de seus sonhos. Mal sabia ele que seria o maior exemplo de tudo o que pregava. Naquela época ele ainda dava os primeiros passos no que viria a ser uma brilhante carreira de ator que hoje inclui quatro musicais, quatro novelas, gravando a quinta, e um filme.
César Mello, que ingressou no teatro pelas escolas de cultura de Barueri, já foi um hippie em Hair, o pai de Simba,em Rei Leão, um malandro em Mudança de Hábito, e teve seu melhor momento na TV em Lado a Lado. Antes, fez comercial de tudo, apresentou programa de culinária, rodou o Brasil se apresentando num caminhão e atuou no Telecurso.
Nesta entrevista exclusiva, dada num restaurante popular no centro de Barueri, ele conta tudo isso, lembra de seus tempos de garoto na Assembleia de Deus, fala dos amigos que, como ele, mergulharam na mesma carreira, e também da amizade com Lázaro Ramos.
BnR: Onde você nasceu?
César: Em Carapicuíba, porque não tinha hospital aqui. Meus pais moravam no Jardim Silveira. Eu vivi na Santiago Dantas até os 12 anos e mudei 50 metros, que é onde meus pais estão até hoje, na Washington Luís. Estudei no Alayde (Emef Alayde Domingues Couto), que é ali pertinho. Quando fui fazer faculdade e comecei a dar aula, também foi por ali, no Alayde, no Lênio (Emef Lênio Vieira de Moraes) por três anos.
BnR: Você é muito bem lembrado lá.
César: Muito, e é muito legal. Para a gente que está no meio da arte, as coisas acontecem com um nível de surpresa, mas com naturalidade. Não me é tão assustador trabalhar na TV e fazer novela porque é meu trabalho e você diz “que massa que aconteceu”, e vamos trabalhar. Para eles é um troço muito distante. Eu sempre fui um professor visionário, no sentido de empoderamento. Então, eu acho um barato que é como se o professor César tivesse comprovado o discurso dele na prática. Uma vez um aluno me falou assim: “professor, você falava de fazer as coisas, se você acreditar, as coisas acontecem”. Então, para eles, eu realizei um sonho, o discurso da sala de aula. Para eles, eu fui lá e provei que é isso mesmo, que dá certo. Eles têm um olhar bem legal em relação a isso, é bem bonito.
BnR: Que tipo de moleque você foi?
César: Fui uma criança muito comigo. Gostava de desenhar, então eu passava as tardes da minha vida desenhando. Meu pai tinha um aquário, com uns peixes, que um comia o outro, era um barato, e eu ficava duas, três horas sentado ali vendo os peixes. Eu fechava a cortina da sala e ficava ali. Às vezes minha mãe falava “César, sai pra brincar”. Até os sete anos fui uma criança muito dentro de mim, com meus desenhos, o aquário, minhas músicas. Eu me lembro que eu colocava um disco e ficava de cócoras com o ouvido na caixa ouvindo a música, repetindo…
BnR: Que tipo de música?
César: Evangélica. Ouvia Cícero Nogueira, Joel e Jonas, uma infinidade Eu sou de uma família cristã, da Assembleia de Deus
BnR: E a adolescência?
César: Na adolescência eu comecei a sair para a rua, a andar de carrinho de rolimã, pipa, bolinha de gude. Mas sair para a rua para a gente era uma coisa complicada, porque meu pai não gostava da gente na rua. Então era sempre um lugar de medo. A rua era instável, sabe… “se o papai chegar a gente corre pra dentro, se não, ferrou”. Era assim.
BnR: Como era sua rotina?
César: Na adolescência, aos domingos eu ia de manhã para a escola dominical na igreja, das 9 as 11 horas. Acabava e eu começava na aula de orquestra. Eu aprendi a tocar sax, depois trombone de vara e depois trompete. Acabava o ensaio da banda e começava o ensaio da mocidade. Aí, ia pra casa, almoçava, voltava às seis da tarde para o ensaio do coral e, quando acabava, começava o culto. Eu passava o domingo inteiro na igreja.
BnR: E a música sempre esteve presente com você?
César: A música é uma das coisas mais belas que a igreja pode produzir. Que o mundo produziu, mas que na igreja tem essa coisa espiritual.
BnR: Da adolescência na igreja você vira ator. Como foi essa virada tão grande?
César: Desde os 13, 14 anos que eu sentia vontade de fazer teatro.
BnR: Mas como um menino da igreja descobriu o teatro?
César: Pois é, um menino de igreja de Barueri que não assistia TV. Eram uns flashbacks que eu tinha e me faziam sentir que era legal fazer. Por exemplo, Rambo… era uma imagem muito presente na nossa vida, eu cheguei a colocar aquela fita vermelha com meu irmão e brincar em casa.
BnR: E o Rambo, uns pedaços aqui e ali?
César: É, eu nunca tinha assistido o filme inteiro, não tinha TV em casa, não podia ir ao cinema. Deu 15 anos, comecei a namorar sério, na igreja, bonitinho… deu 16 anos, eu na igreja, bonitinho, domingo inteiro na igreja. Eu passei a ser coordenador da mocidade, a compor umas musiquinhas… deu 17 anos, eu na igreja, bonitinho, namorandinho com a mesma menina. Vontade de ir ao cinema? Não pode. Vontade de ir ao teatro? Não pode, é pecado. Vontade de ir a um show? Não pode. A Assembleia de Deus era muito rigorosa. Mas aí deu 18 anos, eu fui pro Exército, e a vontade de experienciar o desconhecido apareceu, um lugar que era muito mal falado, que era o mundo.
BnR: Surgiram as dúvidas?
César: Chega um momento em que as coisas que eram pedidas começavam a ser testadas na prática. Por que é pecado ir ao cinema? Quando você tem 14 anos, pode acreditar num diabo dentro do cinema, mas quando você tem 18 não acredita mais. E aí você pergunta “por que mesmo eu não posso ir ao cinema?” E o pastor… (César faz cara de quem não tem resposta e dá um grunhido).. por que mesmo não posso jogar bola (repete a expressão)? E aí, quando não há mais respostas convincentes, você não acredita mais. Então, em um ano eu sai do Exército, terminei o noivado, sai da igreja e entrei na faculdade.
BnR: Você tomou a decisão de sair da igreja ou foi se afastando?
César: Saí. O César, que era o rapaz da igreja, coordenador da mocidade, noivo, tudo certo, tudo correto, de repente, fez assim… Pum! Foi pro mundo. E meus pais perguntaram “quem é você, como assim?”.
BnR: Essa foi a reação em casa?
César: É, porque eu não dei sinais de que estava mudando, mas tava tudo aqui dentro virando um caos. Foi de repente, e aí mudou tudo. E o teatro significou a experiência espiritual que eu sentia falta na igreja, ela se materializou espiritualmente muito forte, porque pra mim, fazer teatro era algo espiritual muito forte.
BnR: A igreja tem música. Você acha que deveria ter teatro?
César: Não acho que necessariamente deva ter, mas não deveria coibir, deveria incentivar quem quer fazer, toda forma de arte. Separar a arte só vai privar de uma experiência incrível que é Deus na arte. A experiência com Deus ouvindo Beethoven é tão profunda quanto se ajoelhar num templo e orar, porque é uma experiência com Deus. A música, a arquitetura, a pintura são experiências com Deus, porque são experiências com o criativo, com o que toca no íntimo, naquilo que não é racional. Quando você olha um quadro e você chora é a experiência humana do divino. E a igreja dos anos 90, que eu vivi, cortou esses laços. Era bem triste, então eu fui fazer teatro e ele me preencheu de uma forma muito forte no campo espiritual também.
BnR: Como foi o começo?
César: Eu comecei a fazer teatro com a Nana Pequini, nas oficinas culturais de Barueri. Entrei no segundo grupo, no primeiro tinha o Paulão (o ator Paulo Américo)… A Nana queria montar O Bem Amado e fez um exercício que era para a gente trazer uma cena. Eu escrevi e ensaiei uma cena no espelho. E a Nana me contou depois que pensou “filho da mãe, ele escreveu uma cena e fez”… e aí, quando não tinha o Odorico pra montar, ela me levou pra fazer e eu comecei o processo de montagem do Odorico e as aulas da Nana.
BnR: O Bem Amado é uma peça sensual e profana. Você vinha de um ambiente fechado, conservador.
César: Eu estava tão feliz que eu estava pouco me lixando. Não pensei nisso. Quando você sai de um lugar opressor, você quer esquecer aquilo. Eu cortei os laços… quando eu saí da igreja, falei “não volto mais para aqui, esse lugar não me pertence, eu não consigo estar nesse lugar”. Então não tinha muito essa contradição. Quando fui fazer teatro, eu já sabia, eu falei “eu quero ser ator. Eu não tô aqui de brincadeira, não tô pra ir pra festinha, eu quero ser ator”. Era um acúmulo de anos passados que eu queria.
BnR: E os primeiros tempos?
César: Foi um barato, tudo era muito novo. Toda vez, na hora de entrar no palco, eu tinha vontade de fazer xixi. Hoje sei o porquê. Eu fui a um médico, um iridólogo, que estuda sua íris, e ele falou que meu sistema nervoso está muito enraizado nos meus órgãos. Até hoje. Se eu estou muito nervoso, eu passo por isso. E ali eu conheci uma galera que eu nunca vou esquecer na vida… Glacyellen Pollyanne, Paulão, Liriane, Cilene Alves, André Colazzi… nós ensaiando Odorico e eu tendo minhas primeiras experiências de palco na prática.
BnR: E como foi entrar em cena?
César: Eu já tinha tido experiências públicas. Então, estar num palco não era um problema para mim. Na igreja eu cantava no púlpito, dirigia cultos, fazia culto ao ar livre e cantava para as pessoas na praça. Eu tinha experiência com público, então não era um problema estar no palco.
BnR: E você continuou nas oficinas?
César: Sim, e aí eu tive uma aula de interpretação que foram os Poemandos. A Nana pegava Drummond, 30 poesias dele, pegava quatro atores, dentre eles eu, e dividia essas poesias num todo com começo, meio e fim. E aí a gente apresentava nas bibliotecas de Barueri. Interpretar poesia é muito difícil, se você lê a poesia na métrica em que ela está escrita nem sempre faz sentido. O fechamento de uma ideia não está no final do parágrafo. Entender isso pra mim foi uma escola de interpretação. Fiz o Poemando por uns dois anos, eu tinha de 19 para 20 anos.
BnR: Até aí você está nos limites de Barueri. Você já tinha claro que era uma etapa que te levaria pra outro lugar?
César: Naquela época, não. Eu comecei a fazer poesia e ganhei prêmio de melhor poesia aqui em Barueri, ganhei seis prêmios em concursos. Ganhei um prêmio por um curta que eu fiz com o Valter Klenk e comecei a ser elogiado como ator. Eu tinha 24 anos… dava aula desde os 19, fazia faculdade, teatro e Poemando, às vezes achava que não ia dar conta, me atrasava no Poemando e levava bronca da Nana (risos)… eu te amo, Nana, que isso fique registrado…
BnR: Se não pensava em ser um grande ator, o que você esperava do teatro?
César: Eu esperava fazer teatro… olha só, Mandela dizia o seguinte: “pra que eu consiga libertar esse povo da África eu preciso que eles comecem a não pensar como escravos”. Eu nasci no Jardim Silveira, meu pai é pedreiro, minha mãe é dona de casa, foi empregada doméstica… eu tinha a cabeça do tamanho de um ovo. A gente não é treinado pra pensar grande.
BnR: Em algum momento você concluiu que estava pensando pequeno?
César: Bom, eu comecei a ganhar prêmio, essas coisas que enchem os olhos mas não me completavam. Eu pensei “não quero ficar preso aqui, eu quero fazer teatro”. Porque eu via a Nana em cartaz em São Paulo, eu via o Cello (Marcello Airoldi) em cartaz em São Paulo, e eu falei “eu quero fazer teatro em São Paulo”. Aí a gente montou Macário, que foi um sucesso aqui em Barueri e em São Paulo, levou boas críticas, eu ganhei prêmio de melhor ator também, aí comecei a ir pra São Paulo.
BnR: Fala um pouco de Macário?
César: O Cello tinha feito em mil novecentos e bolinha com uns amigos e, saudosista, queria fazer de novo. Ele me viu fazendo o Bem Amado e me perguntou se eu estava a fim. Topei. Cheguei lá e quem encontrei? O Rui (o ator Rui Ricardo Diaz ), que eu não conhecia mas era meu ídolo. Ele fazia mímica e era bom pra caramba. Aí, conheço o Rui, e a gente começa a montar Macário, eu, Cello, André Colazzi, Rui, Janaina Suigoto… O Cello era um diretor bem experimental, queria testar coisas. Depois ele colocou o Paulão como narrador e foi montando, colocou o Juh Vieira como músico, Marcinho Araújo…
BnR: Mas fizeram Macário em Barueri para morrer aqui?
César: Para morrer aqui. Mas o Cello conseguiu da prefeitura uma verba para montar um cenário legal e montamos um cenário lindo. Então o Cello teve a ambição de levar para fora, a gente conseguiu espaço no teatro Vento Forte. Ficamos dois meses em cartaz muito felizes, com muito boas críticas.
BnR: Ser um bom ator em Barueri já não bastava.
César: É. Fui fazer teatro na Porto Seguro, a seguradora. Era um projeto com um caminhão. Abria o caminhão e era uma casa de dois andares. A gente viajava pelo Brasil para fazer a peça e eles divulgarem o produto deles. Eu viajei pelo Brasil fazendo essa peça, um texto baseado no Luiz Fernando Veríssimo. Durou um ano e meio. Na volta, comecei a fazer um curso de câmera, mas uma amiga foi fazer um teste numa produtora e pediu para eu acompanhá-la. Lá, o produtor perguntou se não estava a fim de deixar um registro. Falei “ah, tá, deixo”. Dois meses depois estava indo fazer um comercial em Salvador. E não parei mais, fiz 15 comerciais com eles, de cerveja, de tênis, de prefeitura, de tudo quanto é tipo.
BnR: E começou a viver disso?
César: Sim. E comecei a me ver na tela e gostar, porque isso é muito estranho. A primeira vez que você se vê na tela você fala “o que é isso?” A primeira vez que você ouve sua voz fora da sua cabeça é horrível. Aí, foi comercial, comercial, comercial, até que chegou um dia em que alguém me falou que estavam produzindo um filme que o Paulão fez, chamado Os Doze Trabalhos. Mas o diretor me chamou pra fazer um teste para o Telecurso. Primeiro eu fiz um teste horroroso, depois fiz outro com uma moça, foi legal e os dois passaram. Eu gravei o Telecurso um bom tempo, uns três anos
BnR: E a televisão entra quando?
César: Em 2008. Eu estava animado com os comerciais e tinha feito registro na Globo. Passou um tempinho, me chamaram para uma participação na novela A Favorita, eu era um carregador. E ainda gravando Telecurso, em 2009 me chamaram para a novela Viver a Vida. Eu fui fiz um teste legal em fevereiro e voltei pra casa. Logo passei a apresentar o programa de culinária Cozinha Brasil, do Sesi, que viajava o Brasil. Em julho estava em Fortaleza e a Globo me liga: “César, tem 70% de chance de você fazer a novela. Você tem que voltar pra fazer outro teste”. Sai de Fortaleza para o Rio, fiz o teste, que achei horroroso, eu estava nervoso, e voltei para trabalhar. Do Maranhão liguei pra eles pra saber se tinha rolado e me responderam: “Ninguém te avisou? Você tá na novela.” Era Viver a Vida, eu fiz o Ronaldo, padrasto da Helena. Era um personagem superlegal e dentro da TV já era um lugar diferenciado. Foi minha primeira novela.
BnR: E já era uma novela das 9
César: Era. Estreei bem. E o Cello também estava. E tem uma coisa incrível. Eu não vinha falando muito com o Cello, por causa da correria de cada um. Aí vou lá na Globo fazer o teste do figurino e vejo a foto do elenco e quem eu vejo, o Cello. Foi muito louco, eu não acreditei. A primeira novela dos dois.
BnR: Aí, mudou o patamar…
César: Sim.Terminou a novela e eu decidi ficar no Rio, percebi que tinha mais chances lá. E passei dois anos fazendo ponta na Globo, de policial… ponta de policial e… ponta de policial. Sabe delegado? “Vem pra cá? Que é que você fez?” Corta! Brigado, César valeu, até mais. (risos) Então fui chamado pra fazer Hair.
BnR: Mas você já tinha cantado?
César: Aí, entram as aulas de canto na igreja desde os 12 anos, cantar no coral, e eu já tinha feito coisas de violão e voz também. Quando fui fazer musical eu sabia que estava preparado.
BnR: No musical você junta a arte cênica e o canto…
César: …e a dança. Eu não tinha feito tudo junto e foi uma experiência incrível. E foi a minha entrada nesse mercado que é mal visto por quem faz teatro, mas que é muito difícil. Primeiro, porque a carga horária é muito forte, chegamos a fazer sete espetáculos por semana, dois no sábado e dois no domingo. E quando me perguntam se eu posso fazer um personagem, eu tenho toda a liberdade, uma infinidade de possibilidades. O musical diz pra você “monta esse personagem”, mas ele tem que estar dentro desse lugar, ele te coloca já num lugar de onde você não pode sair muito. Porque montar um personagem curioso, interessante, bom, dentro dessa caixinha, para mim se tornou um desafio muito legal, que eu abracei.
BnR: Dá para ganhar dinheiro fazendo musical?
César: Eu estava sem grana e acostumado com o teatro Sesc, no máximo, que é quem paga melhorzinho. Quando a moça disse que eu ia ganhar o triplo, eu falei: “o quê, eu vou fazer e ainda me pagam?”. Eu passei muito tempo da minha vida fazendo teatro de pesquisa, nunca ganhei. Às vezes pagava pra fazer, agora ia ganhar!
BnR: E Hair já te deu outra projeção?
César: Me deu… mas foi o Mufasa, do Rei Leão, que me deu respeito no mundo do musical.
BnR: Mas antes do Rei Leão, você fez a novela Lado a Lado, que foi muito importante.
César: É, mas quando acabou Hair eu fui trabalhar na prefeitura do Rio como desenhista, montei um coral infantil no Morro do Alemão e comecei a compor músicas infantis, fiquei um ano e meio lá. Quando o príncipe Harry esteve no Rio, foi esse coral com as minhas músicas que o recebeu, o Liga dos Cantantes.
BnR: E a carreira?
César: Então, um dia na Globo me disseram que tinham um papel para mim e perguntaram se eu jogava capoeira. Eu falei que sim.
BnR: E jogava?
César: (gargalhada). Claro que não. E comecei a fazer aulas de capoeira nos fins de semana, sem saber no que ia dar. Pensava “se der certo, deu”. Passaram dois meses, o André Reis, produtor de elenco da Globo, me ligou, dizendo que tinham gostado e me chamaram uma semana depois.
BnR: E como foi Lado a Lado?
César: Foi um divisor de águas. Primeiro, porque eu comecei a entender o que é fazer televisão. Em Viver a Vida não tinha isso, eu assisti a novela até dois meses, depois não consegui assistir mais, porque eu não entendia, não gostava. Em Lado a Lado, eu tive sorte de que 90% das minhas cenas eram com o Lázaro Ramos. Antes de a gente começar a gravar ele me chamou na casa dele para bater texto. Então o Lázaro me recebeu, me levou pra galera, me enturmou. Ele é muito gente como a gente, você realmente se sente em casa com ele porque ele é muito generoso. E a gente começou a trocar muito em cena.
BnR: Você era irmão dele na novela?
César: A gente se chamava de irmão, mas não era. Eu era o Chico e ele o Zé Maria. Eu era referência de família dele. E a gente combinou de se chamar de irmão, foi um arranjo entre a gente. Começamos a gravar e as cenas foram engrenando, os autores se apaixonaram por mim, a dupla deu certo, deu química na cena, a gente pirava, se divertia muito, eu e ele.
BnR: E como você encontrou o Rui?
César: Encontrei o Rui na padaria Central, aqui em Barueri, e ele disse que achava que ia fazer uma novela. Eu disse que achava que ia fazer também, eu ainda estava nas aulas de capoeira. Os dois entraram. E o lindo foi que nós tivemos uma cena só para nós dois.
BnR: Como foi fazer essa cena com um amigo do início de carreira?
César: A gente recebeu a cena, eu li, fiquei emocionado… fico emocionado até hoje (engasga)… e chegou o dia de gravar. Eu não vou ter verbo para descrever isso… esse sentimento… “caramba, estamos aqui juntos”, sem dizer que ele é um puta de um ator, um parceiro de cena da vida inteira. Foi do caralho… Eu tenho muita sorte na vida naquilo que realmente importa. Acho que todo o meu olhar para o bem, de alguma forma, chama coisas muito boas para mim. Foi demais. Acabou a cena, a gente se abraçou.
BnR: Acaba Lado a Lado, você vai fazer o Mufasa, e você já era o cara do musical.
César: Sim, tinha feito Hair e ia fazer o teste do Rei Leão. A estreia seria em março mas fui chamado para a novela, que tinha gravação até fevereiro. Então eu disse que não contassem comigo. Um dia o Lázaro me dá carona e fala assim: “César, eu tenho uma vontade louca de fazer musical”. Eu disse que tinha feito uma parte do teste do Rei Leão, mas com a novela não deu pra seguir. E ele me ensinou uma coisa para a vida que eu nunca mais vou esquecer, que é, sempre tem um jeito. Depois dessa conversa ,eu liguei para a produção, disse que gostaria de retomar os testes, mas que teria que ensaiar um pouco em São Paulo e um pouco no Rio. A Marcela Altberg disse que não dava. Depois de uma semana, me ligou e disse que tinham topado.
BnR: E como você fez?
César: Não foi fácil. Eram três, quatro dias exaustivos gravando a novela no Rio, aí vinha para São Paulo e ensaiava aqui. Para piorar, quando eu estava provando a roupa do Rei Leão, quase na estreia, a Globo me liga e diz que eu estava na novela que estreava em abril. Eu falei, “ferrou, como vou fazer as duas coisas?” Era Sangue Bom. Eu tive que fazer ao mesmo tempo Rei Leão e Sangue Bom. E foi o primeiro personagem negro fora da casinha, ele era um professor de botânica. Foi muito legal.
BnR: E Rei Leão?
César: Foi sensacional, foram dois anos trabalhando com onze africanos que faziam parte do elenco. E dois anos de casa cheia, eu fiz 575 apresentações. Cheguei a fazer nove sessões por semana, porque era um sucesso absurdo. Tinha dias que antes do espetáculo eu estava destruído de cansado. Foi um exercício de superação que é algo único.
BnR:Aí, você entrou de vez no mapa do musical.
César: Sim. Acaba o Rei Leão e eu começo os testes para Mudança de Hábito, para fazer o principal personagem masculino. Ao mesmo tempo sou chamado para mais uma novela, Babilônia, e comecei o ano de 2015 fazendo teatro e novela ao mesmo tempo de novo. Foi um ano muito estressante, mas muito bom, fazendo minha quarta novela e o terceiro musical. Um ano em que eu colhi muitas coisas. Fiz teatro, TV e cinema, porque em outubro, enquanto fazia Mudança de Hábito e Babilônia ao mesmo tempo, fui convidado pra fazer um filme. E aceitei, claro.
BnR: E você ensaiava de madrugada (risos)…
César: Pois é… mas eu sempre corri atrás de cinema, sou viciado em cinema. Então. em 2015 eu fiz de tudo, foi um ano de sonhos… também fui indicado a prêmio por Mudança de Hábito…
BnR: E Wicked? Não é um espetáculo conhecido…
César: Não é, mas tem tudo a ver com a geração Harry Potter, tem a bruxa boa e a má. E está um sucesso, vai até o fim do ano. Eu faço um personagem importante, mas secundário, e duas vezes por semana faço o Mágico de Oz para descansar o ator que faz. E como é um personagem um pouco menor, está me dando a possibilidade de fazer minhas músicas.
BnR: Você tá virando um ator de musical?
César: Não estou virando, hoje eu sou um ator de musical, e estou gostando muito. E você é reconhecido porque ele exige muito. Mas, minha grande paixão é o set de filmagem, é o que eu amo realmente fazer, cinema e TV. Teatro é o máximo, mas é estafante, a repetição me cansa. Porque você ensaia, domina o papel e, a partir daí, só repete. Na câmera é onde eu me sinto em casa.
BnR: E daqui para a frente?
César: Em novembro estreia o filme, chama-se A Glória e a Graça. Para 2017, não tenho a mínima ideia. Comecei a gravar uma novela agora, Além do Amor, da Maria Adelaide Amaral, estreia em outubro e vai até março.
BnR: E o seu projeto de música?
César: Terminando a novela, quero começar a tocar e cantar. Sempre gostei muito de compor, tenho muito prazer no processo de criação, gosto de me sentir produzindo, percebendo o que ocorre ao meu redor e descrever, opinar pela música. Só que fazer novela, ser apresentador, fazer musical, esse mundo que se abriu pra mim, me sugou muito.
BnR: E a sua relação com Barueri?
César: Não está boa não, essa política daqui… mas eu tenho meus pais aqui, eu tenho saudade de encontrar meus amigos, principalmente os da época das Noites da Taverna, porque foi um período diretamente ligado ao prazer para mim. Minha relação com Barueri são meus pais e meus amigos.
BnR: E para as pessoas que conheceram você antes do teatro? Você é um perdido ou o César Mello que está lá em cima?
César: É o César Mello que chegou lá. Uma vez eu fui à igreja e as pessoas me abraçaram, me trataram com muito carinho. E da minha parte, eu saí, andei, andei, andei, e quando voltei, não reconheci aquela igreja que eu frequentava, mas reconheço como um lugar espiritual importante. Hoje, eu não frequento igreja, mas a minha relação espiritual com Deus é presente no meu dia a dia. A minha conduta, a minha formação moral, o que eu sou como homem, formou-se lá.
BnR: E seus alunos? Você anda por aí, encontra com eles, como é?
César: Nem preciso encontrar. Às vezes venho aqui e depois chego em casa, abro o Facebook, e está lá a mensagem: “Professor, te vi em Barueri, quando o senhor volta aqui? Quero te ver”. Eles me veem com muito carinho.