Programa criado pelo MP de Barueri oferece a usuários de drogas opção de tratar-se em vez de responder por processo criminal
Tiago, 22 anos, casado, tem uma filha de dois anos. Ele trabalha como ajudante e, numa noite no começo do ano, foi flagrado pela polícia fumando um cigarro de maconha perto de casa, num bairro de Barueri. Tiago poderia ser processado criminalmente por porte de droga para uso próprio. Não seria condenado à prisão, mas perderia a primariedade e o caso apareceria em seus antecedentes criminais. Isso provavelmente teria um impacto negativo durante a sua vida futura. Mas ele foi beneficiado por um instrumento que vem sendo utilizado em Barueri há três meses para casos como esse, de baixo potencial ofensivo: a Justiça Terapêutica.
O conceito é simples. Para quem for pego portando droga para uso próprio, em vez de um processo que pode terminar em condenação, é oferecida pelo Ministério Público (MP) ao infrator a possibilidade de fazer um tratamento. Em lugar de uma ação penal, uma transação penal, ou seja, um acordo homologado pelo juiz. Se ele aceitar, cumprir as regras e não reincidir por cinco anos, o caso é arquivado e desaparece de seus registros. Enquanto isso, não aparece em seus antecedentes.
Mudança de olhar
A intenção do programa é abordar o usuário com um olhar social e de saúde, e não apenas tendo como fim aplicar uma pena. “A Justiça sempre tratou o consumo de drogas como uma questão moral, mas hoje está olhando como um problema de saúde pública”, explica o promotor da Infância e Juventude de Barueri, Luís Roberto Wakim, um dos idealizadores do projeto. “E como doença, deve ser prevenida como outra qualquer, mas isso ainda é muito novo no Brasil.”
Ele explica que os adolescentes se iniciam no consumo de álcool e drogas ilícitas no Brasil cada vez mais jovens. “As estatísticas mostram que os jovens estão começando a consumir a partir dos 12 ou 13 anos”, afirma. “Ou seja, tem uma questão social concreta que pode maquiar outro problema, que é a dependência”, diz Wakim.
Em Barueri, a iniciativa de adotar o modelo foi do MP, que recebeu o aval do Judiciário. A cada mês, um grupo de pessoas flagradas portando ou consumindo drogas é chamada para uma reunião no fórum. Lá, elas recebem orientações dos promotores, advogados voluntários e grupos de tratamento de dependência química, ouvem depoimentos de outras pessoas e conhecem as possibilidades que têm à disposição. O convidado tem a alternativa de recusar o tratamento e enfrentar o processo.
Se participarem de 12 sessões semanais em uma entidade credenciada, o processo é suspenso. Até agora foram realizadas três reuniões mensais, desde abril. Participaram, no total, 84 pessoas, e apenas uma não aceitou o tratamento alegando que vai tentar provar ser inocente. A intenção é convidar 350 pessoas por ano.
Entre aliviado e envergonhado, Tiago, o rapaz flagrado com maconha, disse que vai fazer o tratamento. “Com essa proposta, além de não ter nada no meu histórico, eu não corro o risco de perder meu emprego. Comecei recentemente”, disse. “Além de não ter ficha criminal, ele pode aprender muito nos encontros. Às vezes, um passo errado pode comprometer toda a família, porque a pessoa acha que é bobagem, que não vai dar em nada”, completou a companheira do rapaz, que o acompanhou até a reunião.
Ele é um dos muitos jovens que compareceram ao Fórum para ouvir a proposta da Justiça Terapêutica. Alguns ouvem os representantes legais com curiosidade, outros com desconfiança e há os que parecem incrédulos. Mas no fim do encontro, os rostos deixam transparecer alívio e esperança – essa é a oportunidade que a justiça de Barueri está dando para que o passo em falso tenha sido apenas um desvio, e que, por meio das reuniões, cada um deles retome o caminho sem esse ‘porém’ registrado.
Entidades parceiras
As 12 sessões terapêuticas são realizadas nas entidades que se associaram ao programa, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos e Amor Exigente, além do Centro de Atenção Psico-Social/Álcool e Drogas (CAPS-AD) e também associações que trabalham com familiares de dependentes. “O candidato tem que participar de todas e trazer os comprovantes de presença. Mesmo se falhar em algum, se apresentar um,a justificativa, pode completar o tratamento.” O número de sessões foi definido baseado na experiência das entidades de apoio. ”Estudos mostram que tratamentos com menos de 90 dias têm baixa eficácia”, explica o promotor.
A Justiça Terapêutica já é praticada em várias cidades paulistas, como São José dos Campos, Tatuí e Mairiporã, em Santana e Ipiranga, na capital. Também está avançada em estados como Rio Grande do Sul, onde começou, e Goiás, mas em São Paulo caminha mais lentamente.
Em Barueri, os promotores avaliam a possibilidade de no futuro criar programas para flagrantes de alcoolismo ao volante sem vítimas e violência doméstica em razão de consumo de álcool.
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