O colunista André do Valle faz um rescaldo-reflexão sobre o Dia da Mulher a partir da questão sobre feminismo apresentada no Enem
“Não se nasce mulher. Torna-se mulher.” Simone de Beauvoir
Eu tava corrigindo o texto da minha crônica de março e a ponto de entregá-lo, quando fui bombardeado, nos grupos do WhatsApp, por mensagens a todas as mulheres!
Bom… A todas não. É que um dos textos dizia que as mulheres nos encantavam com sua meiguice e seu jeito carinhoso de resolver as coisas e tal… E isso levou-me a constatar que pessoas do sexo feminino não meigas, obviamente ficavam de fora dessa homenagem.
Mas, enfim, como eu dizia, lindos textos que enalteciam as mulheres por sua beleza. E que fique claro aqui que apenas uma pequena parte do grupo correspondente ao… Como é que é mesmo? … “Sexo frágil!” Isso, “sexo frágil”… ficou excluída desses elogios. Mulheres cujos corpos já vêm com photoshop embutido podem ficar tranquilas!
Então, voltando; foram belíssimas declarações de amor, que perguntavam o que seria de nós homens, sem vocês, mulheres…! Aí, é evidente que meninas, moças, senhoritas e senhoras cujas vidas não estão destinadas a servirem de adorno ou objeto de enfeite aos machos, sem sombra de dúvida podem esquecer esse carinho todo!! …
Então, se você cabe no imaginário masculino; se é guerreira, batalhadora, linda, vaidosa, compreensiva,doce, ultra-perfumada, competente; se sabe ser sexy sem ser vulgar (entenda vulgaridade aqui como ser a responsável por causar nos homens uma vontade “””incontrolável””” de partirem para o estupro); se procura um bom partido para o casamento em vez de prezar pela sua autonomia; enfim, se você é tudo, menos uma mulher real, sinta-se a grande motivação de todos esses discursos brilhantes! …
Agora, se você nasceu com uma vagina e se reconhece nesse corpo; se nasceu com um pênis e se vê como mulher (sendo uma, portanto), tendo ou não trocado de órgão sexual; se você sabe que delicadeza, compreensão e afins são atributos da personalidade e não do gênero; se luta cotidianamente contra assédios, mentiras, manipulações, injúrias, covardias…
Se percebe o machismo onde nós ainda não vemos; se está disposta a tornar melhor isso tudo por aqui, saiba que eu não vou perder o meu tempo dando-te parabéns. E muito menos te faria perder o seu ao ler-me. A você eu só posso pedir. Pedir que nos continue apontando as injustiças que protagonizamos. Principalmente aquelas ainda encobertas pelas cortinas do hábito, da cultura e da falta de inteligência e de empatia.
E no final das contas, quando a Simone de Beauvoir fez a célebre afirmação citada aqui acima, ela usou a palavra “mulher” em seu sentido pejorativo. Porque um ser humano precisa mesmo ser muito oprimido e sofrer demais para tornar-se a mulher tão homenageada por textos como os que eu vi no último dia 8 de março.