Acusado por facilitação na morte de 11 pessoas na Chacina de Osasco, o CGM Sérgio Manhanhã descreve como foi sua rotina na noite dos crimes
Por Verônica Falco
Bacharel em Direito, há 22 anos atuando na área de segurança, dos quais nove no Exército e 13 na Guarda Municipal de Barueri, Sérgio Manhanhã será julgado a partir de segunda-feira, 18/9, no fórum de Osasco, junto com dois PMs, sob acusação de ter participado da série de homicídios praticados em agosto de 2015 que ficou conhecida como a “chacina de Osasco”, em que 17 pessoas foram assassinadas num período de poucas horas.
Sérgio alega que em sua carreira nunca teve problemas nem sequer reclamações acerca do seu comportamento, mesmo em caso mais extremo, como ocorrências como disparo de arma de fogo ou resistência seguida de morte.
De dentro da prisão, onde está detido desde o dia 18 de dezembro de 2015, Sérgio Manhanhã, 43 anos, que à época dos crimes era comandante do Grupamento de Intervenções Táticas e Estratégicas (Gite) de Barueri, relatou com exclusividade ao Barueri na Rede como foram suas horas de trabalho na noite dos crimes.
“Na Guarda Municipal atuei em várias funções e naquele dia fatídico exercia a minha função como comandante do Gite, comandando quatro guarnições. O setor de trabalho determinado pela Administração era o bairro do Jardim Silveira, numa área bem pequena, denominada quadrilátero Zélia/Brigadeiro, e do qual só podíamos sair com a autorização do Subcomandante da Guarda e a ciência do Comando de Força da Equipe.
Por volta das 21 horas, minha guarnição e eu, com o apoio de uma outra guarnição, realizávamos busca pessoal de dois homens e uma mulher próximo ao ITB Paulista, dentro da área de atuação. Nesse momento, fomos informados pelo Centro de Comunicações e Monitoramento (Cecom) que em Osasco, a 14 quilômetros de distância e em outra cidade, indivíduos num carro preto passaram atirando em frente a um bar daquela cidade [Osasco] e que as vítimas estavam sendo socorridas ao Pronto Socorro do Jardim Mutinga.
Como não era área de nossa atuação, permanecemos no setor determinado pela Administração, meus comandados e eu. O Comando de Força, responsável pela equipe, deslocou-se ao local para obter mais informações. Assim que ele [Comando de Força] chegou ao pronto-socorro disse que algumas vítimas seriam socorridas ao Hospital Municipal e manteve a informação de que os homicidas estavam num veículo preto.
Como não tínhamos mais informações, mantive a rotina de policiamento no local definido pela Administração. Às 21h50, entrei com minha guarnição no Batalhão da Guarda Municipal e lá permaneci até as 22h50 (devidamente filmado). Enquanto fazia documentos dos plantões anteriores, minha guarnição realizava o horário de refeição e descanso, também, cumprindo determinações legais. Nesse ínterim, entre os crimes em Osasco e minha entrada no Batalhão da Guarda, não foram registradas ocorrências graves.
Enquanto eu fazia dois documentos na Sala do Serviço de Dia, aproximadamente às 22 horas, uma guarnição do bairro Engenho Novo disse que havia uma vítima baleada, na Rua Carlos Lacerda, não obtendo informações sobre os autores do homicídio.
Contudo, nesse local já havia viaturas do setor e também não me desloquei com o efetivo Tático, que permaneceu no Jardim Silveira, a 12 quilômetros do local. As 22h50 saí do Batalhão da Guarda Municipal em direção ao setor Jardim Silveira, e na região central da cidade, realizamos averiguação em dois cidadãos numa motocicleta, quando uma guarnição do Tático, que estava no Jardim Silveira, foi comunicada por um motorista de ônibus que havia pessoas baleadas no bar da Rua Irene, e então deslocou-se ao local, chegando um minuto após a ciência do fato.
Sabendo dessa ocorrência, saímos da região central e fomos à Rua Irene, distante 7 quilômetors. Durante o meu deslocamento, a guarnição que eu comandava já colhia informações sobre os homicidas, informando o modelo correto do veículo, qual seja, um Sandero prata, o único que bateu com as imagens do bar quando divulgadas à imprensa.
Cheguei também no local e confirmei com o dono do bar o modelo do veículo e informei ao Cecom, bem como a um policial militar, que ficou de comunicar o modelo do veículo via Copom (Centro de Operações da Polícia Militar). Segundo o proprietário do bar, o evento criminoso havia ocorrido há cerca de 25 minutos, antes de nossa chegada, e que ele só havia feito contato com a Polícia Militar. Infelizmente não havia mais o que fazer quanto ao socorro das vítimas e então procedemos conforme determina a lei: isolamos o local para a perícia.
Imediatamente comuniquei ao Comando da Equipe e ao Comando de Força da Guarda Municipal que compareceu no local. Também compareceu o Comando de Força da Polícia Militar, a quem passei as medidas legais que já havia tomado. Como findava o horário de trabalho do Tático, perguntei ao Comando da Equipe se ele precisava que o Tático permanecesse no plantão. Como ele disse que não era necessário, realizamos um patrulhamento na região e às 0h00 pedi a ele autorização para o deslocamento ao Batalhão da Guarda Municipal e finalizamos o serviço.
Considerações do acusado
Recordo a vocês que aproximadamente 40 dias antes de ser preso, já havia dito que não estive em Osasco, a 14 quilômetros de distância; portanto não passei em frente ao tal bar, e que no momento do crime em Barueri, no setor em que eu trabalhava, eu estava no Batalhão da Guarda, portanto não poderia ser visto dentro do bar como dizia a testemunha fantasma. Essas acusações eu consegui derrubar na fase de inquérito. Que investigação é essa que não confronta as imagens da instituição Guarda Municipal com o testemunho; que não acredita no depoimento dos guardas que estavam comigo na viatura, e dos demais guardas ouvidos; que dizem não possuir relatórios de ERBs (estação rádio base), mas me prendem dizendo que eu estava num local em que não estive.
Vejam o quão grave é essa acusação. É o tipo de acusação que já mudou a trajetória dos meus planos. Que já maculou a minha imagem e moral. A troco de que? Pressão política; pressão social; pressão da OEA; manutenção de cargos; simples gosto de dizer que o caso está ‘resolvido’. Não vejo outra explicação. Quase fui preso uma semana após os homicídios ao ir ao DHPP [Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa], porque uma testemunha fantasma disse que me reconheceu pelos olhos em 70%, e que quando apresentaram minha foto a ela, me reconheceu em 90%. Depois outra que surge dizendo que viu minha viatura passando em frente ao tal bar, local onde sequer estive.
No ato da minha prisão, a única pergunta que se fazia era se eu conhecia o réu com quem troquei mensagem no app [aplicativo], também preso. Eu disse que o conhecia e respondi outras perguntas que surgiram. Em momento algum tocaram no nome dos outros dois réus, também presos. Contudo, na fase processual mentiram dizendo que fazíamos ‘bico’ num supermercado, ‘bico’ esse sequer investigado; sequer me perguntaram se eu já havia feito ‘bico’ na vida, muito comum para os funcionários de segurança para complementar os salários. Mas eu realmente nunca fiz. E provei isso na fase processual. Ou seja, já provei o contrário sobre no mínimo três mentiras da acusação.
Mentiram quanto à minha conduta, pois disseram que entrei no bar para matar pessoas e que passei em frente ao bar em Osasco para auxiliar matadores. E para tentar manter essas mentiras, continuam mentindo. Provei na fase de inquérito minha inocência para essas acusações. Como? Quanto ao testemunho calunioso de ter entrado no bar para matar pessoas, provei com as imagens do circuito interno do Batalhão da Guarda, pois no mesmo instante em que a ‘testemunha’ disse que me viu no bar, eu estava no Batalhão da Guarda Municipal, a cerca de 9 quilômetros de distância do local mencionado pela ‘testemunha’.
Quanto a ter ido a Osasco, a prova surge com a ERBs do meu celular, que no horário em que a testemunha disse que me viu em Osasco, a antena utilizada era a do meu setor de trabalho, situado a 14 quilômetros de distância, local este, em Barueri e designado pela Administração. Com essas duas provas matérias, provei que não matei e não colaborei com nenhum ato criminoso.
Ao provar isso, o delegado não pediu minha prisão preventiva, sob o argumento legal de que eu não era um risco às testemunhas e de ter colaborado com as investigações, e retornei ao trabalho. Ocorre que dias depois fui preso novamente. Dessa vez a pedido do promotor de Justiça, e com mais mentiras.
A primeira calúnia relacionava os quatro réus como pessoas que se conheciam e faziam ‘bico’ num supermercado, e era lá que nos reuníamos para intentos criminosos. Surge também outra calúnia, a de que eu retirei as viaturas dos locais em que ocorreram os crimes. Como provei, ainda na fase de inquérito, que não estive nos locais de crime, surge por parte do promotor a seguinte invenção: ‘ele não esteve no local mas provavelmente tirou ou mandou viaturas aos locais de crime’.
Novamente provei que nunca fiz ‘bico’ na vida, e a juíza constatou que o tal relacionamento nunca existiu, mas insistiu: ‘o bico não ficou provado, mas provavelmente se conheciam’. Quanto ao remanejamento criminoso de viaturas que o promotor atribui a mim, as provas ficaram evidentes que eu não tinha essa prerrogativa.
Eu comandava a menor fração da Guarda Municipal, composta por quatro guarnições, e conforme provado pela escala de serviço, relatórios, o próprio monitoramento da cidade [Barueri] e os depoimentos de meus superiores e subordinados, esse remanejamento nunca existiu.
É fácil alegar isso quando as viaturas não possuem GPS, mas se usam a ERBs do meu celular para tentar me incriminar, dizendo que eu estava próximo ao local de crime da rua Irene, no Jardim Silveira; não esclarecem que ali era o meu local de trabalho – em Barueri -, e inclusive que fui eu quem atendi a ocorrência.
Se tanto a prova, como a acusação, têm a ERBs, como prova material, por que não apresentam a localização dos meus comandados, também com base na ERBs? Afinal, todos os meus comandados apresentaram, sem nenhum receio, os seus aparelhos celulares. Infelizmente essas informações foram ocultadas, pois elas desmentem essa denunciação caluniosa.
Surge a mensagem que troquei com o policial acusado. A mensagem de fato eu troquei e não neguei, e isso eu disse na oitiva, inclusive o motivo dela. Acontece que alegam que mandei um ‘braço forte’ ao policial, quando na verdade se trata de um ‘forte abraço’. O que eles não trazem à tona é o motivo. Não trazem ao processo a transcrição da mensagem, pois eu tive acesso a essa transcrição e o que me mostraram no DHPP correspondia exatamente com o que digo, mas essa transcrição não está nos autos, muito menos em laudo pericial, muito menos autorização judicial.
Portanto, sem autorização judicial, sem laudo pericial e sem transcrição do aparelho, eles inventam o que quiserem. Insegurança jurídica total.
O direito penal deste país não admite redistribuição de provas, e não procuro com essa possibilidade o tal do garantismo. Apenas quero deixar claro que provei que não cometi os crimes a mim imputados, e que em seguida surgiram outras mentiras das quais também possuo as provas contrárias.
E ainda me submetem a um julgamento com base no ‘in dúbio pro societate’ [na dúvida em favor da sociedade]. Nessa hora, a técnica investigativa é deixada de lado, pois as provas existentes de minha inocência não foram consideradas por quem investigou, e mentem apenas para justificar a prisão, o que torna a segurança jurídica inócua e a presunção de inocência, um mero informativo da lei.”