Número de inscritos para votar em outubro é muito maior do que a soma de toda a população da cidade com 16 anos de idade ou mais. Em nenhuma outra cidade da região o fenômeno se repete
A Justiça Eleitoral fechou esta semana o número oficial de eleitores aptos para votar nas eleições de 2016. Em Barueri, são 244.732 pessoas, exatamente 5.500 a mais que um ano atrás. Isso significa que mais de 50 mil pessoas podem votar na cidade sem morar aqui.
Para chegar a essa cifra, a conta é simples. Basta retirar do total da população o número de pessoas com até 15 anos, que não podem votar. O que resta seria o máximo de eleitores que a cidade poderia ter. No caso de Barueri, porém, considerando os números de julho de 2015, havia 50.394 eleitores a mais do que toda a população do município com 16 anos ou mais. Esse total está ligeiramente maior hoje, mas a estimativa da população do IBGE para 2016 ainda não foi divulgada.
Muitos fatores podem explicar a discrepância. Segundo a Justiça Eleitoral, um número de eleitores superior ao normal não é necessariamente sinal de fraude. Como exemplo, o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta pessoas que mudam de domicílio e não transferem o título, que optam por votar no local em que trabalham ou que vivem numa cidade pequena vizinha de outra muito maior, para quem é mais vantagem ter o título na grande.
“Fluxos migratórios interferem nos cadastros. As pessoas vão morar em cidades vizinhas e não veem necessidade de transferir o título, tanto pela proximidade quanto pelo habito, ou mesmo descaso”, explica Jacqueline Quaresemin, professora da pós-graduação Opinião Pública e Inteligência de Mercado da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
No entanto, nenhum dos três casos serve para Barueri, que não perdeu população, não é a cidade mais populosa da região nem recebe número tão grande de trabalhadores dos municípios vizinhos.
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A causa mais provável remonta aos anos de 1980, quando a classe política local passou a exigir que os moradores de cidades vizinhas transferissem o título eleitoral para Barueri para poder receber alguns benefícios concedidos aqui, como cestas básicas. Com isso, esperavam aumentar o número de apoiadores.
Com o tempo e o crescimento de Barueri, esse processo tornou-se natural, pois a cidade passou a oferecer mais e melhores serviços na comparação com a vizinhança e, automaticamente, moradores da região mudaram o domicílio eleitoral para ter acesso a esses benefícios.
Recentemente, a prefeitura pensou em vetar os serviços de saúde para quem não morasse aqui, mas foi impedida. A criação do Cartão Barueri foi uma tentativa de restringir o atendimento a habitantes de fora, mas um dos requisitos para obtê-lo é o título eleitoral, o que levou mais gente a pedir transferência do domicílio para cá.
O número de pessoas com 16 anos ou mais corresponde, em média, a 72% da população total. No censo de 2010, por exemplo, esse índice foi de 71,4% para Barueri. Por isso, a legislação eleitoral recomenda que sempre que o percentual de eleitores passe de 80% do número de moradores, deve ser solicitado o recadastramento do município. Em Barueri, a cifra está em 91% e gira em torno disso há algum tempo.
O índice de 91% da cidade é muito maior do que todos os municípios da região, que estão abaixo da média natural de 72%. A exceção é Osasco que, ainda assim, está na casa dos 79% (veja quadro). Ou seja, o problema é mesmo de Barueri.
Para Jaqueline Quaresemin, além de provocar gastos indevidos para quem recebe os eleitores de fora, o fenômeno provoca distorções também na cidade de onde ele vem. “O impacto disso é que pessoas votam em prefeitos e vereadores que não vão representá-las, representar suas demandas”, explica ela. “No caso especifico de Barueri, bastante desenvolvida, tem condições antagônicas ao lugar onde reside tal eleitor. Por exemplo, problema de rua sem asfalto, acesso a transporte público no bairro, entre outros.” Por isso, diz ela, não adianta votar em candidatos de outras cidades, pois o eleitor viverá os problemas da cidade onde mora, e é ali que ele tem o espaço para reclamar.
Aqui, ela cita um outro efeito, o de desinteresse da população em geral com a política, que ela chama de “tanto faz”. “O ‘tanto faz’ desconsidera a política enquanto espaço para realização das demandas sociais, das políticas públicas e da participação no processo como um direito de cidadania”, explica. “Comprovada a hipótese de que as pessoas não estariam preocupadas em dar seu voto para um prefeito que não o de sua cidade evidenciaria um descaso com a política.”
E dá como exemplo a reação das pessoas antes as justificativas dos deputados que votaram no impeachment. “Elas disseram ‘quem são esses?‘, ‘não votei nisso!!!‘, etc. Ou seja, houve um espanto. As pessoas que assistiram não se identificavam com tais representantes políticos simplesmente porque não prestam atenção em quem votam”, afirma.
O Barueri na Rede procurou a prefeitura para se pronunciar sobre a situação, mas a administração municipal preferiu não se manifestar.