André do Valle convida a compartilhar, no melhor do dividir para somar e depois multiplicar, suas ideias, dúvidas e teorias acerca da natureza humana, e a parte humana na natureza
Aliás, um privilégio pra mim, começar essa nossa relação na mais quente e molhadinha das estações! Tempo de férias (ao menos escolares), de viagens, do transbordante calor que nos leva a buscar consolo na cerveja, nos sorvetes, nas varandas cercadas de amigos por todos os lados… E também da aflição de quem não pode sair, correr, mergulhar… Ah, como eu lamento por essa turma! Já estive em situação parecida.
Escrevo sobre o que na estreia? – Pensei. – Já que a primeira impressão é a que pica; como os borrachudos, os pernilongos, toda a sorte de insetos que os poetas quase nunca descrevem junto às suas paisagens, inclusive aquele mosquitinho maldito que se prolifera no ventre da nossa incompetência coletiva.
Tá aí, vou falar sobre esses mundos habitados por criaturas estranhas, gigantescas e às vezes invisíveis, aos quais nos lançamos por algumas razões. Esses universos de lógicas, tempos e estilos próprios que chamamos de “A Outra Pessoa”.
A gente abre as janelas do nosso eu, destranca as portas e se abandona. (Simples assim!). Pega a estrada rumo a uma nova experiência que talvez chamaremos de coleguismo, cumplicidade, romance, caso, transa, disputa… Ou no melhor encontro que a vida nos pode reservar: amizade.
Tivemos de levar o Lucas, que tinha oito anos e nadava conosco no mar, ao hospital, pra tomar uma antitetânica, por causa de uma lata de cerveja amassada que feriu-lhe a perna quando ele pulava onda.
Você já reparou que quando encontra alguém, esse contato produz algo em você que não existiria sem esse encontro? Já percebeu que ao entrarmos num lugar, o lugar também nos invade? O mar que feriu nosso pequeno amigo não era só o mar; era o mar mais alguém que o poluiu.
Lançar-se à jornada de uma relação é, sem dúvida, correr riscos; passar por inúmeros testes e testar também; é fazer uso das habilidades aprendidas ao longo das experiências e apreender novos jeitos de ser o que se é.
A quem devemos “culpar” pelo machucado do Lucas? Foram as ondas? Foi a lata? Quem a jogou? Seu fabricante? A Escola? A família de quem deixou-a no mar? Quantas latas cheias de ferrugem foram, por ignorância, tirania, descaso ou engano lançadas no espírito das pessoas que convivem contigo?
Pudesse o mar fazer escolhas, teria ferido a criança havendo nele apenas uma lata cortante? Mas e se fossem dez latas? Cem latas? E se o Oceano sofresse um bombardeio de metais e substâncias radioativas? E se Iemanjá virasse Mariana? E quando quem convive conosco não tem no seu repertório nenhuma vivência saudável pra compartilhar?
O que existe é culpa ou responsabilidade? Matamos a pessoa ou as causas do seu comportamento hostil? Seremos capazes de compreender o que vem do mar e o que vem do que jogaram nele? Há conclusão possível pra nós?
Há um pensamento no senso comum que certamente você já ouviu: “O seu espaço acaba onde começa o do outro.” Quase ninguém se dá conta do erro expresso nesse ditado.
Ao longo da História, houve várias tentativas de tornar alguma coisa sagrada. Nossos ancestrais das cavernas sacralizavam as forças da Natureza; depois surgiram os deuses pra preencher esse lugar; em seguida a promessa da Humanidade foi a Ciência. E nada disso deu muito certo; afinal, nada há fora de nós que nos cure as nossas angústias ou que resolva os nossos conflitos.
Portanto, a filosofia contemporânea nos propõe que tornemos sagrada a outra pessoa, porque é por meio dela que podemos conhecer a nós mesmos.
Sendo assim, o meu espaço não acaba onde começa o do outro, porque há, entre eu e você, por exemplo, um terceiro lugar; um lugar que é da responsabilidade de nós dois. Eu escrevi esse texto e você o está lendo. Depois você pode comentar, aí eu é que lerei. Entre nós há um espaço de convivência chamado “Barueri na Rede”. Aqui é a praia onde você e eu nos relacionaremos, dividiremos ideias, faremos críticas e seremos criticados, enfim, talvez possamos pensar que o meu espaço acaba no território da convivência.
Esta é uma construção de todos os envolvidos e jamais deve invadir o lugar individual de qualquer pessoa.