Transferência de hospitais e pronto-socorros para entidades tem causado problemas para prefeituras e população
O cancelamento do contrato de gerenciamento do Hospital Municipal Antonio Giglio pela prefeitura de Osasco é mais um alerta sobre as condições de funcionamento das instituições de saúde gerenciadas por organizações governamentais (OS). Esse modelo de gestão, de transferência do serviço público de saúde para uma entidade externa, tem multiplicado problemas tanto para as prefeituras quanto para a população.
Na sexta-feira, o prefeito osasquense Rogério Lins comunicou o afastamento do Instituto Social Saúde Resgate à Vida do comando do hospital após sucessivas queixas sobre o atendimento à população. A prefeitura anunciou que vai iniciar imediatamente o processo de escolha de nova entidade, mas o processo deve durar quatro meses. Enquanto isso, a gestão do Antonio Giglio vai atuar de forma precária.
A transferência da saúde pública para as OS vem sendo objeto de estudos, investigações policiais e processo jurídicos em todo o país nos últimos anos. O modelo foi criado na década de 1990 para, supostamente, reduzir custos e melhorar a qualidade do serviço oferecido, mas ao longo dos anos as crises foram se multiplicando.
As OS são entidades privadas sem fins lucrativos, que deveriam funcionar nos modelos das Organizações Não-Governamentais (ONGs) clássicas e ter cunho filantrópico. Inicialmente, nasceram dentro de instituições públicas ou benemerentes voltadas para o atendimento da população, como Santas Casas e universidades, mas acabaram se tornando uma forma de pagar altos salários a seus gestores. A lei permite que a remuneração dos dirigentes de OS seja mantida em sigilo, apesar de eles serem pagos com dinheiro público.
Tribunal de Contas encontra irregularidades
Em 2018, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo encontrou 23 tipos de irregularidades nos contratos assinados entre prefeituras paulistas e entidades da área de saúde. Os problemas vão desde contratação de parentes e despesas sem relação com o serviço prestado e quantidade insuficiente de médicos, além de pagamentos de funcionários que não trabalham até a compra de itens superfaturados. O resultado disso é que o dinheiro não dá e a qualidade do atendimento é ruim, como demonstra estudo apresetado recentemente pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
As OS também são utilizadas pelas prefeituras para driblar certos mecanismos legais, como aquele que limita os gastos com servidores públicos, pois quem trabalha para a entidade externa, apesar de prestar um serviço público, não conta no quadro funcional do município. Atualmente avança na Assembleia Legislativa de São Paulo uma CPI para investigar a atuação das OS da área de saúde
Barueri é uma das cidades que mais utiliza o recurso de contratar organizações sociais. Na área da saúde, são geridos por entidades externas o Hospital Municipal, os pronto-socorros Central (Sameb), do Jardim Imperial e do Engenho Novo, por exemplo.
Problemas no HMB e Sameb
A cidade já enfrentou problemas com as instituições contratadas. Em 2017, quando a parceria com o Instituto Hygia para administrar o Hospital Municipal (HMB) deixou de ser renovada pelo prefeito Rubens Furlan, restou uma dívida que, à época, era avaliada em mais de R$ 100 milhões. O município teve que arcar com os débitos trabalhistas, calculados em R$ 60 milhões, para não ter problemas de repasses de verbas federais e poder contratar uma nova OS. Em seguida, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), nascida em 1994 dentro da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), substituiu o Hygia.
Nessa transição, a prefeitura arcou duas vezes com os gastos, pois havia pago normalmente o que era previsto em contrato com o Hygia, mas acabou tendo que bancar o calote da instituição com os trabalhadores. Por outro lado, a SPDM acumula processos. Em 2018, por exemplo, foi descredenciada pelo governo de Santa Catarina em dois hospitais que atendia e no Samu sob alegação de mau atendimento, suspensão de cirurgias, falta de medicamentos e atraso no pagamento de salários.
Segundo o estudo da UFPE, a SPDM é a maior das OS da área de saúde do país. Entre 2009 e 2014, ela administrou R$ 3,7 bilhões em contratos e R$ 1,3 bilhão em aditivos. Os aditivos são outro aspecto do problema, pois representam acréscimos aos valores estabelecidos originalmente e elevam para outros patamares os custos inicialmente previstos. No exemplo da SPDM, por exemplo, esses aumentos representam mais de 30% do inicialmente acordado.
O Sameb hoje enfrenta problema parecido. O contrato com o Instituto Gerir, antigo gestor, venceu em setembro e a escolha da organização sucessora parou por razões legais. Com isso, a prefeitura se viu obrigada a designar outra entidade, em caráter emergencial, para não interromper o funcionamento do PS Central.
Foi escolhido o Instituto Diretrizes. Na transição, o atendimento esteve prejudicado e, desde então, as queixas dos usuários têm se multiplicado. A prefeitura chegou a ampliar o número de leitos e médicos para atenuar os problemas. Ao mesmo tempo, funcionários do Gerir deixaram de receber plenamente seus direitos trabalhistas e ainda há o risco de essa conta ter de ser paga pelo município.
A prefeitura de Barueri não transferiu serviços públicos apenas na área de saúde. Grande parte das maternais, hoje, está sob direção de organizações sociais.