As formas mais frequentes de feminicídio ocorrem em contexto de violência doméstica e familiar, ou por razões de discriminação
Celeste Leite dos Santos (MP-SP)*
Preocupação cada vez maior da sociedade, o feminicídio é amplamente definido como o assassinato de mulheres pelo fato de serem, simplesmente, mulheres. Este tipo de crime tem por fundamento as relações assimétricas de poder, infelizmente ainda vigentes em nossa sociedade, por meio da perpetuação do paradigma de superioridade do sexo masculino sobre o feminino.
As formas mais frequentes de feminicídio ocorrem em contexto de violência doméstica e familiar, ou por razões de discriminação. É comum, ainda, que esteja associado à prática de outros delitos, como tortura e violência sexuais, especialmente em casos associados ao tráfico de mulheres ou ao crime organizado.
Conhecida como “Pacote Antifeminicídio”, a lei 14.994/2024, sancionada em 9/10, endurece a política criminal ao contemplar com 30 a 40 anos de reclusão os crimes de feminicídio. A pena ainda pode ser majorada em até um terço, caso a mulher esteja grávida; se a violência for cometida três meses após o parto; ou se a vítima for menor de 14 ou maior de 60 anos.
Abarca, também, medidas nas esferas iniciais e intermediárias da violência contra a mulher, como o aumento da pena, caso haja violação de medida protetiva; a possibilidade de transferência do agressor para presídio em localidade distinta da residência da vítima; bem como a aplicação em triplo da condenação no caso de vias de fato – e em dobro, no que tange a crimes de calúnia, difamação e injúria praticados por razões da condição do sexo feminino.
É indiscutível que houve avanço com a promulgação da lei. Contudo, a progressividade legislativa, em matéria de equidade de gênero, demanda a adoção no Brasil de políticas complementares, como a edição do Estatuto da Vítima (projeto de lei 3.890-2020). Represado no Congresso Nacional desde maio de 2023, onde aguarda por votação, o texto garante às mulheres que estejam em situação de vulnerabilidade por força da violência a possibilidade de usufruírem de direitos humanos básicos, como o acesso à informação, à comunicação, à assistência à saúde, acolhimento psicológico e social, e reparação do dano causado – só para citar algumas das propostas.
Não menos importante a título de reflexão: o Estado brasileiro ainda permanece tímido na elaboração de políticas públicas que permitam corrigir esse desequilíbrio social.
Por ser uma manifestação persistente da desigualdade de gênero, há de se atacar a raiz do problema, sob pena da nova legislação brasileira face ao feminicídio permanecer reativa em vez de proativa.
Somente endurecer a lei não basta! Não reconhecer a causa também pode permitir que altas taxas de feminicídio persistam, apesar do aumento das penalidades, correndo o risco de nosso país, assim, manter a perpetuação da subvalorização das mulheres em nossa sociedade – algo, diga-se de passagem, inafiançável e inaceitável.
*Celeste Leite dos Santos é presidente do Instituto Brasileiro de Atenção Integral à Vítima (Pró-Vítima); promotora de Justiça do Ministério Público (MP) de São Paulo; idealizadora do Estatuto da Vítima, da Lei de Importunação Sexual, e do Projeto Estadual 130/2016 de Igualdade Plena de Homens e Mulheres.