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Jovem expulso de show do Coldplay processa a PM

por: Redação

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Gabriel é professor em Barueri e só conseguiu ver o show da banda em Porto Alegre após mobilização nas redes sociais

Por Caroline Rossetti

Dia 7 de novembro de 2017. Poderia ser uma data comum como outra qualquer, mas era o dia do primeiro show da turnê do disco A Head Full Of Dreams, da banda Coldplay em São Paulo. Um dia que ficaria marcado para o resto da vida do professor de educação física Gabriel dos Santos Vieira, morador do Jardim Silveira.

Mas a marca não está no dia em que Gabriel veria uma de suas bandas preferidas ao vivo e, sim, na situação humilhante pela qual o rapaz de 27 anos passou naquela noite de terça-feira.

Gabriel foi enquadrado por agentes da PM/ Fotos: Redes sociais
Gabriel foi enquadrado por agentes da PM/Fotos: Redes sociais

Tudo começou quando duas meninas que estavam atrás de Gabriel, no setor de cadeira superior, reclamaram que a altura dele estava atrapalhando a visão delas. Até aí, nada incomum em shows, se não fosse a ação quase que imediata da Polícia Militar, que abordou o rapaz, o algemou, retirou-o à força do estádio sem nenhum motivo aparente e o acusou de desacato à autoridade.

Em conversa com o Barueri na Rede, Gabriel relatou como se sentiu com a abordagem. “Naquele momento eu me senti perdido, sem saber por que estava sendo retirado. Fiquei assustado por ter sido algemado, foi a primeira vez que eu passei por aquilo, e espero que a última”, disse angustiado.

Ali, na arquibancada do Allianz Parque, nenhuma palavra de preconceito foi pronunciada pelos policiais ou pelo público que estava em volta. Mas, nem precisava, uma vez que a atitude o distinguiu dos demais – uma amiga e um casal que estavam junto com Gabriel foram apenas dispersados pelos agentes que colocaram algemas no professor. Foi na base da PM, dentro do estádio, que o racismo foi escancarado.

“Na sala, estavam outros policiais fazendo registros de ocorrências que aconteceram no estádio naquele dia. E, o tempo todo, vinham me insultar e ameaçar. Depois, na delegacia para onde me levaram, também aconteceu esse tipo de situação”, contou em tom de desabafo. Aqui, Gabriel emendou que o clima foi de decepção quando puxaram sua ficha e viram que ele não tinha nenhuma passagem pela polícia, “porque é assim, todo mundo fica duvidando”.

Fica claro como o semblante de Gabriel, um rapaz alegre, atencioso, carismático e alto astral, muda quando é questionado sobre o tal dia 7/11. Seus olhos se distanciam e refletem cada momento daquela noite, fazendo com que as pessoas que o observem percebam todo o cenário que se forma no rosto dele.

A comoção nas redes sociais

Depois de tudo o que aconteceu no estádio do Palmeiras, uma mobilização para levar Gabriel para assistir, de fato, ao show do Coldplay em Porto Alegre agitou as redes sociais. “Minha amiga Tamires, que estava comigo no show, filmou tudo e enviou o vídeo pra minha namorada. Aí, uma amiga da minha namorada, a advogada Helena Vasconcellos, soube do caso e se solidarizou”, contou Gabriel.

Mobilização chegou até um artista de Curitiba, que contou a história de Gabriel em quadrinhos
Mobilização chegou até um artista de Curitiba, que contou a história de Gabriel em quadrinhos com letras de músicas do Coldplay

Foi a advogada, que nasceu na capital gaúcha e hoje mora em São Paulo, que viralizou o caso na internet e montou uma vaquinha online, tudo sem Gabriel saber, o que garantiu um ingresso de pista premium em Porto Alegre. “Eu fiquei sabendo na sexta-feira de tudo disso, e que meu voo para Porto Alegre era no sábado de manhã [11/11, no dia do show] ”, lembra o rapaz.

Para ir para Porto Alegre, alguns funcionários da Azul Linhas Aéreas ajudaram a custear a passagem de avião. “Lá no aeroporto, as pessoas que ficam na linha de frente da companhia se mobilizaram para achar um lugar nos voos, que estavam todos cheios. Pareceu até filme”, falou Gabriel, já sorrindo no meio da entrevista.

Helena, advogada de Gabriel, tinha comprado ingresso para ver o show em POA, antes do caso em SP
Helena, advogada de Gabriel, tinha comprado ingresso para ver o show em POA, antes do caso em SP

Em Porto Alegre, o professor de Barueri conta que foi bem recebido, ficou na casa dos pais da advogada na cidade e se surpreendeu por ter sido reconhecido pelos fãs do Coldplay, além de achar os comentários que fizeram para ele um tanto curiosos. “Foi todo mundo muito receptivo, e a vaquinha juntou o preço da pista premium, que era cinco vezes o valor do que eu tinha comprado em São Paulo, bem mais perto e mais cômodo”, conta ele. “E é engraçado que a galera ficava pedindo desculpas, falando que aquilo não era atitude que eles teriam, das meninas terem me denunciado para os policiais, e os policiais terem tido atitudes racistas. Ficavam o tempo todo se desculpando pela atitude dos outros”.

Gabriel foi à Porto Alegre com ajuda de pessoas que se mobilizaram na internet e na companhia aéra
Gabriel foi a Porto Alegre, para ver o show no estádio do Grêmio, com ajuda de pessoas que se mobilizaram na internet e na companhia aérea

Busca por justiça

De volta a São Paulo, ele viu que tinha recebido uma nova missão, a de dar voz para problemas sociais que muitas vezes são escondidos, a injustiça, o abuso de autoridade e o racismo.

Já com um olhar de otimismo, o professor de educação física, que mora no Jardim Silveira, trabalha desde os 16 anos e hoje dá aulas na Secretaria da Mulher de Barueri e em academias, ressalta “como é incrível ver que pessoas que não te conhecem acreditam na sua palavra, compram a vida por você e fazem tudo acontecer. É até por isso que eu estou nessa sede de correr atrás dos meus direitos. Seria injusto com as pessoas que fizeram tudo isso por mim, eu simplesmente ir lá, curtir o show em Porto Alegre e deixar a história passar”.

Agora, com a ajuda da amiga, e advogada, Gabriel espera o desfecho do processo, que já foi encaminhado para a Justiça, contra o estádio, a organizadora do evento e a polícia.

Mobilização volta para a rede social: a advogada Helena Vasconcellos pede que, pessoas que estavam no dia do show, a procurem em sua página no Facebook para ajudar a testemunhar no caso
Mobilização volta para a rede social: a advogada Helena Vasconcellos pede que pessoas que estavam no dia do show a procurem em sua página no Facebook para ajudar a testemunhar no caso

Perguntado sobre as marcas que ficaram depois de tudo o que passou nos últimos dias, Gabriel não deixa de ressaltar o fato de ter sido autuado sem motivo algum e injustamente, além de perceber que muitas pessoas passam por casos parecidos e não têm a mesma sorte que ele teve, que acabou recebendo uma repercussão inimaginável, o que o assusta um pouco.

“É uma situação que eu nunca passei na minha vida. Mesmo sendo negro, da periferia aqui de Barueri, eu tive condições de fazer uma faculdade particular, sempre tive trabalhos bons, com carteira assinada desde os 16 anos, e nunca me vi numa experiência dessa por conta da minha vida, do meu ciclo social” explica o professor. “E eu fico imaginando outras pessoas que não tiveram a mesma vivência e certas oportunidades que eu tive, o que que elas não devem sofrer na mão deles.”

Sobre a conduta dos policiais militares, que teriam agido com abuso de poder e racismo, a Secretaria de Pública de São Paulo (SSP/SP), em resposta ao BnR, afirmou que “a Corregedoria da Polícia Militar informa que houve registro da reclamação e todas as circunstâncias do fato estão sendo apuradas por meio de procedimento administrativo. A Corregedoria da Polícia Civil também investiga o caso”.

Gabriel encerra dizendo que a vida dele mudou muito, que as mensagens de apoio não param de chegar, mesmo que gerem uma exposição dele e da família, e que acabam interferindo no trabalho. “Mas, já que eu fui incumbido de ter essa oportunidade de fazer as coisas mudarem, estou tentando ser o mais consciente possível para dar voz a quem sofre preconceito, ou repressão, seja por qualquer motivo”, finaliza.

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