quinta-feira, março 28, 2024
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Freud explica. E o André desenha

por: Redação

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Entre sentimentos, consciente e inconsciente, André do Valle reflete sobre as fronteiras que encarceram nosso autoconhecimento 

André do Valle, cidadão barueriense, é ator e roteirista. Como teatro-educador, consegue comunicar-se ao mesmo tempo com crianças, adolescentes e adultos – o que lhe dá a capacidade de tratar com leveza e bom humor os assuntos mais difíceis, complexos e polêmicos.
André do Valle, cidadão barueriense, é ator e roteirista. Como teatro-educador, consegue comunicar-se ao mesmo tempo com crianças, adolescentes e adultos – o que lhe dá a capacidade de tratar com leveza e bom humor os assuntos mais difíceis, complexos e polêmicos.

“Tô tentando pensar em algo, só que…”; “Poxa, eu lembro, mas como é que era mesmo???”; “Peraí, tá na ponta da língua…!” E assim vai.

Enquanto você lê esse texto (que, aliás, tá muito bom!), existe mais informação guardada na sua cabeça do que em todos os computadores do planeta e ainda sobra espaço pras baleias darem a maior festa que os sete mares já sediaram! A parte onde essas informações ficam guardadas chama-se INCONSCIENTE.

E por falar em sete mares, se a sua cabeça fosse todos os oceanos juntos, a sua consciência seria o olho do mergulhador e o seu inconsciente, todo o resto. Por isso é que procurar uma lembrança ou conceber uma ideia é às vezes tão difícil.

Você percebe o que acontece à sua volta por meio dos cinco sentidos. Vê a bola chegando até você, cheira a comida, ouve o barulho que te ferra o sono, sente a textura da língua que te beija, o gosto de creme dental na boca e assim vai. Os sentidos são o que decodificam a realidade pra que você a compreenda. Uma bomba que explode não faz barulho; ela emite ondas que, ao encontrarem os seus ouvidos, aí sim se transformam em som. Uma fruta não tem gosto; foi o seu paladar que encontrou um jeito de te fazer querer engoli-la, pra não cair de fome. Experimenta escutar com a língua e degustar com as orelhas pra ver o que acontece…

Cada vez que um ou mais dos seus sentidos filtram a realidade, as informações, antes de serem percebidas por você, são levadas ao seu inconsciente. Lá ele associa a nova experiência com situações anteriores e fabrica um produto chamado SENTIMENTO. O sentimento é nada mais nada menos do que a interpretação da parte inconsciente de nós a respeito do que estamos vivendo naquele instante. Por exemplo: quando você sente as pontas dos dedos de alguém te acariciando, provavelmente terá um sentimento bom, de ternura, aconchego, amor, tranquilidade… No entanto, se você olhar as mãos que te tocam e elas forem de um estranho, VVVVICHCHCHCH!!! Eu não quero nem ver o que cê vai sentir…

Todas as nossas opiniões sobre quaisquer coisas, assuntos ou ideias, provêm dos sentimentos que temos a respeito de cada questão. Se no oceano do meu inconsciente deságuam rios de conceitos machistas, é quase garantido que eu não vou gostar de mulheres independentes, livres, esclarecidas; se desde criança você aprendeu que a homossexualidade é uma doença, um desvio de comportamento, com a melhor das intenções, é muito provável que você tente curá-la. Quantas não são as pessoas que desconfiam de alguém, quando esse alguém demonstra carinho no tratamento? Isso ocorre, infelizmente, porque desde cedo nós aprendemos a suspeitar. Claro, ninguém, em sã consciência, dirá a uma criança pra sair confiando em qualquer um. Além disso, quando vamos às lojas ou recebemos ligações de telemarketing, somos tratados com uma simpatia extrema… extremamente forçada na maioria das vezes. E sabemos que tal carisma não é por afeição e sim pelo interesse comercial.

Enquanto isso, lembramos das pessoas que nos são caras, que amamos, temos admiração, muitas vezes sendo rígidas conosco. O pai bravo, a mãe que gritava pra dar limites, as professoras e professores casca grossa… E aos poucos vamos aprendendo que, quando nos querem bem, são turrões conosco e quando são afáveis, hum… só podem ter algum interesse ruim.

Durante milênios, a cultura ocidental vem sofrendo a imposição de um pensamento religioso, que prega castigos divinos a quem não segue sua doutrina, estimulando nas pessoas, não o amor e nem a consciência afetiva e sim o medo e a culpa; além de uma brutal intolerância contra quem não crê em seus dogmas. Nas “datenas” da TV, no passado e no “resende”, apresentadores sensacionalistas promovem o ódio, reduzindo pessoas a eventuais crimes que tenham cometido, sem um estudo aprofundado das suas causas. Na maioria dos relacionamentos ditos amorosos, a franqueza é substituída pelo jogo e pela dissimulação e um não se dá ao outro, por que não confia? Por que tem medo de traições? Nããããão!!!

A única coisa que pode impedir alguém de se dar, de ter franqueza nas suas relações, de agir com espontaneidade, é a falta de autoconhecimento. Quando aprendemos a não falar com estranhos, a desconfiar de quem nos deixa à vontade, a “não dar o braço a torcer”… O que nos é de fato ensinado é que as pessoas são um perigo. E sendo eu também uma pessoa, sou uma igual ameaça, aos outros e até a mim. Então, vou me submetendo a regras e dogmas, sem pensar, com medo de saber quem sou. E deixo de me habitar, pra morar nas receitas de comportamento que me foram dadas. E vivendo fora de mim, meu inconsciente se vai sujando, por falta de manutenção, feito uma casa vazia. Começo a não lembrar mais dos meus sonhos, que são o jeito que o meu interior tem de comunicar-se comigo; passo a temer as pessoas livres e daí por diante.

Mas o que fazer, ante tanta sujeira, tanto perigo, tanta corrupção, pra manter o inconsciente limpo?

Uma boa estratégia é buscarmos o que ainda não vivemos. Certa vez, um rapaz de vinte e seis anos, iniciante numa turma de teatro a quem eu dava aula, chamou-me de canto e relatou mágoas muito profundas que carregava consigo e das quais ele dizia que jamais se iria livrar. Fez-me prometer sigilo; quase se arrependeu de tê-las dividido comigo. Alguns meses depois, ele contou à turma toda tudo que me havia dito! Estava empoderado da sua experiência; já não tinha medo de se abrir, de ser quem era e de dividir-se conosco.

Quando, na mesma aula, diante de todas as pessoas, eu lhe perguntei qual fora o milagre, ele respondeu: “Eu descobri coisas sobre mim, que eu nem sabia que existiam. E vejo que muita gente aqui também tá se percebendo. E eu só conhecia as minhas angústias quando elas me pegavam sozinho. Depois que eu as dividi com você, elas ficaram mais leves. E agora mais ainda! É tipo pegar uma coisa muito pesada; ela é minha, mas os amigos podem me dar uma mão.”

Explorar o seu inconsciente é aprender sobre os seus próprios porquês. É um estudo complexo, que nenhum livro de autoajuda te dará. Aliás, nada mais nefasto a quem se quer conhecer do que gurus, que se intitulam donos dos segredos das vidas que não são deles.

Há um mito hindu, que relata a conversa dos deuses sobre onde esconder da Humanidade o segredo da vida. E após sacarem que chegaremos até os confins dos confins de todos os lugares, por unanimidade, concluíram que o melhor lugar pra nos esconderem o segredo da vida, é dentro do coração de cada uma e cada um de nós. E eu acrescento que eles diziam “coração”, porque não conheciam a nomenclatura “inconsciente”.

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